A defesa do deputado angolano do MPLA, general Higino Carneiro, indiciado da prática de crimes de peculato e proibido de se ausentar do país, disse que vai impugnar as medidas de coacção por serem “desajustadas e incongruentes”.
A posição foi expressa pelo advogado José Carlos Miguel, que desmentiu informações que estão a circular nas redes sociais que dão conta que o seu constituinte revelou em interrogatório factos de alegada corrupção nas eleições gerais de 2017.
Ao que parece, o antigo governador de várias províncias, ministro e alto dirigente do MPLA, Higino Carneiro veio agora revelar que não revelou, embora possa voltar a revelar se a revelação for oportuna para revelar o que os outros não querem que revele.
Higino Carneiro, que foi constituído arguido na semana passada, foi ouvido em interrogatório por gestão danosa de bens públicos, no período entre 2016 e 2017, enquanto governador da província de Luanda.
Além de peculato, o deputado está indiciado da prática de violação de normas de execução do plano e orçamento e abuso de poder, de associação criminosa e corrupção passiva e branqueamento de capitais, tendo-lhe sido aplicada como medidas de coacção o termo de identidade e residência, obrigação de apresentação periódica às autoridades e a interdição de saída do país, sem prejuízo de continuar a desempenhar as funções de deputado à Assembleia Nacional.
José Carlos Miguel disse não achar correctas as medidas de coacção, pelo que não se podem conformar com as mesmas, devendo impugná-las por as achar “desajustadas e até com alguma incongruência entre elas”.
Segundo o causídico, o comunicado de imprensa da Procuradoria Geral da República “é violador do princípio da presunção de inocência e do segredo de justiça”.
“O seu conteúdo é de alguma maneira claro, na medida que traz a público aspectos intrínsecos ao próprio processo, factos de dentro do processo vêm cá para fora numa fase em que o processo está em segredo de justiça”, disse.
Higino Carneiro tem razão. O segredo de justiça era fundamental. Isto porque as revelações sobre as eleições eram apenas para consumo interno (PGR e Presidente da República) e não para serem tornadas públicas. Não eram, mas eram.
Questionado sobre se tem informações sobre o pedido de levantamento de imunidades do deputado, o advogado disse que até agora nada se disse a respeito.
Sobre as informações postas a circular nas redes sociais sobre as declarações de Higino Carneiro aquando do interrogatório na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal da PGR, José Carlos Miguel apelou às autoridades, em particular ao Serviço de Investigação Criminal (SIC), que investiguem a origem das mesmas no sentido de se assacar responsabilidade aos seus autores.
Instado a comentar se as informações podem interferir de alguma forma no processo em curso, o advogado rejeitou a tese, salientando que é preciso “acreditar na seriedade e idoneidade” das instituições angolanas.
“Portanto, se não foi dito pelo general dentro do processo e não foi dito também fora do processo, não vejo como possam interferir no andamento normal do processo, mas podem criar uma opinião não verdadeira relativamente à pessoa do general e até de algumas instituições do país”, disse José Carlos Miguel, realçando que as mesmas “põem em causa aquilo que é a imagem do MPLA (partido no Poder desde 1975) e até os resultados das eleições”.
Um “exemplar” governador do MPLA
O novo governador da província de Luanda reafirmou no dia 14 de Janeiro de 2016, aos membros do seu pelouro, que a segurança e a limpeza da cidade seriam as prioridades da missão que então assumiu, avisando que o poder não estava “na rua”.
Higino Carneiro foi então apresentando pelo ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa (hoje ainda vice-presidente da República), numa cerimónia que contou com todos os membros do Governo Provincial de Luanda.
Segundo Higino Carneiro, o seu programa para a capital visava “dar a volta por cima” às dificuldades que Luanda apresentava e fazer com que “nos próximos tempos” houvesse “alguma satisfação dos cidadãos”.
“Sentimos queixumes todos os dias, nos mais variados domínios, e para falarmos deles, temos que os conhecer, saber por que razão eles existem, por que é que as pessoas reclamam, o que é que falta de nós”, disse o general e dirigente (como não poderia deixar de ser) do MPLA, Higino Carneiro.
“Vamos, com alguma pedagogia, intervir, falando com as pessoas, mas o que é certo é que não podemos deixar as coisas andarem de maneira que o poder esteja de facto na rua. Esta é uma preocupação que não é só minha é de todos, é do Presidente da República”, disse o governador de Luanda.
Os generais (também) mentem
Os méritos do general Higino Carneiro eram então reconhecidos por muitos, sobretudo – e é isso que conta – pelas três figuras principais do país. A saber, o Presidente do MPLA (José Eduardo dos Santos), o Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos) e o Presidente da República (José Eduardo dos Santos).
Em Abril de 2015, os mais atentos viram as monumentais mentiras do General Higino Carneiro que, com alguma sobranceria como se fosse incólume à verdade, quis reescrever a História e esconder eventuais rabos-de-palha.
O General Higino Carneiro a despropósito concedeu, no dia 3 de Abril de 2015, uma entrevista à RNA onde mentiu descaradamente, sobre a Mediação dos Acordos do Alto Kauango, mostrando também a sua veia – nem sempre visível mas reiteradamente eterna – racista e complexada.
Higino Carneiro mentiu e comprometeu-se, pois a ser verdade o que disse, então ele era e é um traidor e um dos generais das FAPLA pagos e infiltrado por Jonas Savimbi.
Higino Carneiro não conhecia, antes do dia 19 de Maio de 1991, o General Ben Ben (Arlindo Chenda Pena) ou pelo menos, não tinha com ele nenhum contacto oficial.
Higino Carneiro mentiu quando disse ter pedido a William Tonet para redigir o comunicado final. Primeiro, Tonet não era seu empregado nem subordinado, logo actuou como mediador, por consenso das partes.
Higino Carneiro mentiu, pois ele não convidou os jornalistas. Estes estavam em Saurimo e seguiram depois no mesmo helicóptero, com autorização do então chefe do Estado Maior e do comandante da Frente que era o já falecido general Agostinho Fernandes Nelumba “Sanjar”, pois Higino Carneiro não foi responsável pela defesa daquelas posições.
Dúvidas? Que tal questionarem o General Mackenzi que era das comunicações da UNITA, que iniciou contacto directo com William Tonet, e o General Chilingutila, militares íntegros que certamente não fazem, como Higino Carneiro, da mentira uma forma de vida?
Higino Carneiro mente pois não diz por que razão só William Tonet e ele foram recebidos pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, depois de regressarem do Moxico. Dúvidas? Perguntem ao General José Maria ou mesmo a Eduardo dos Santos.
A História escreve-se com a verdade que, mesmo quando bombardeada insistentemente pela mentira, acabará por se sobrepor a todo o género de maquinações e acções de propaganda. É, por isso, legítimo que se faça pedagogia e formação quando, por razões mesquinhas, alguns tentam apagar o que de bom alguns, muitos, angolanos fizerem pela sua, pela nossa, terra. E tentam apagar, revelando um manifesto complexo de inferioridade e um mal resolvido complexo rácico, por temerem que a verdade os mate. Esquecem-se que, mesmo recorrendo à história, a salvação só se consegue com respeito pela verdade.
E não é por esconder a verdade que ela deixa de existir. Em 1991, quando as forças da UNITA sitiaram por 57 dias a cidade do Luena, William Tonet, que cobria o conflito por parte das tropas do “Galo Negro”, abordou o seu então amigo General “Ben Ben” e um outro general das FAPLA, Higino Carneiro, que aceitaram a sua proposta de tréguas que ficou conhecida como os acordos do Alto Kauango, que foram a “mãe” dos acordos de Bicesse.
Não adianta o MPLA, o regime, Higino Carneiro e outros sipaios que se julgam donos da verdade, “esquecerem” a verdade dos factos. Eles são exactamente isso, factos. E um deles, o de ter sido um angolano a mediar pela primeira vez o conflito entre angolanos, deveria ser motivo de regozijo e de reconhecimento interno e externo. Só a mesquinhez de uns tantos, agora revitalizada por Higino Carneiro, pode levar a que se tente, sem sucesso – é certo, apagar esta verdade. Uma de muitas outras que, infelizmente, ainda se encontram enclausuradas por medo de represálias.
O facto de o cidadão, jornalista, William Tonet ser inimigo público do regime, mau grado a sua luta ter sido sempre em prol dos angolanos, de todos os angolanos, revela igualmente que na História que o regime quer que se escreva só têm lugar os que são livres para estarem de acordo com ele.
Com João Lourenço há, reconhecemos, uma embrionária semente que poderá alterar este estado de coisas. Veremos se a semente cresce e floresce.
Documento (verdadeiramente) histórico
Acta final do primeiro encontro ao mais alto nível entre as FAPLA e as FALA, realizada nas áreas do Alto-Kauango (Luena) mediado por William Tonet:
«No dia 14-05-91 e devido os combates entre as tropas da UNITA e do governo, o Jornalista William Tonet ofereceu os seus bons ofícios no sentido de possibilitar um encontro ao mais alto nível entre o General Arlindo Chenda Pena “Ben-Ben”, chefe do Estado Maior General das FALA e do Coronel Higino Carneiro, Chefe da Direcção Principal do Estado Maior General das FAPLA.
Aceite o princípio o jornalista atravessou a fronteira que delimitava as duas partes e contactou o General Bem-Ben, que anuiu à ideia que se veio a materializar no dia 18-05-91, as 12 h 30 minutos na região do Alto-Kauango, Luena.
As delegações integraram as seguintes personalidades:
1 – Generais Arlindo Chenda Pena “Ben-Ben”, Demóstenes Amós Tchilingutila, Nogueira Canjundo, Brigadeiros, Januário Consagrado, Adriano Wayaka Makenzy, pela UNITA.
2- Coronéis Higino Carneiro, Agostinho Fernandes Nelumba, Tenente-coronel, José Alexandre G. Lukama, Majores, Bento Sozinho “Venceremos” e Manuel Henrique Gomes, pelo Governo.
3- Os pontos propostos para discussão foram os seguintes:
4- Discussão do posicionamento das tropas envolvidas nas últimas actividades combativas, 1º Luena, 2º, outras frentes.
5- Regularização das tropas da UNITA que fizeram movimentações depois dos dias 14 e 15-05-91, para o interior e proximidade do Luena.
6- Estabelecimento de corredor de segurança num raio de 10 quilómetros (km) entre as duas forças.
7- Garantias para a circulação de colunas rodoviárias e aéreas para transporte e abastecimento às populações
8 – Diversos.
9- O resultado dos contactos permitiu alcançar os seguintes objectivos:
10 – Reafirmar a posição dos militares poderem cumprir e fazer respeitar os acordos alcançados em Portugal, para se alcançar a paz em Angola.
11- As partes aprovaram por unanimidade estabelecer um canal oficial de contactos telefónicos, para a resolução de todos os incidentes a nível do Luena e Nacional.
12- As partes sugeriram e consideram imperativo transformar as Delegações em Comissão Militar Provisória para a resolução de assuntos referidos no ponto anterior.
13- As partes acharam imperativo a criação de Sub-Comissões para verificação e controlo, a livre circulação rodoviária, aérea e ferroviária, para o transporte de pessoas e bens, desde que não transportem material letal, para o efeito condicionam o movimento a verificação por uma Sub-comissão de cinco pessoas por cada parte, no Luena.
14- As partes concordaram indicar a localização das minas em todas as rotas de circulação, pelo que decidiram proceder desde já à sua desminagem na Zona Militar do Moxico, em primeiro lugar.
15- As partes decidiram exercer um maior controlo das tropas de ambas as partes que se encontram próximas, no sentido de se evitar confrontos.
16- As partes propõem a cessação da difusão de comunicados militares que façam referência a incidentes pontuais e esporádicos, cuja solução deverá ser feita através dos canais criados.
17- As partes acordaram a troca de informações diárias por via rádio, no Luena.
18- As partes agradeceram a mediação do senhor Jornalista, William Tonet, que permitiu a realização do encontro.
19- O encontro realizou-se num ambiente de cordialidade, franqueza e irmandade entre as partes militares angolanas.
Luena, Alto Kauango, aos 19 de Maio de 1991.»
Acordo subscrito por Arlindo Chenda Pena “Ben-Ben”, Higino Carneiro e William Tonet.
Folha 8 com Lusa
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